quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Gastronomia de tradições


Muitas dessas tradições culturais ligadas à gastronomia e surgidas em meio a conflitos religiosas e econômicos sobreviveram à diáspora da civilização islâmica, que se seguiu ao século XII, (re)desenhando configurações da rede de relações descrita na postagem anterior, que passou a incluir a Índia, o Paquistão, a Indonésia, a Andaluzia, a Sicília, a África do Norte e, com a expulsão dos mouros da Península Ibérica no século XVI, também a Ámerica em seu circuito de trocas culturais e intercâmbio de bens.

"A síntese se realizou nas cidades, novas ou antigas, dinamizadas por um intenso intercâmbio. O esfacelamento do Império não impediu a circulação de homens, dos bens e das idéias que caracterizam o mundo muçulmano do século VIII ao século XV".(Idem, ib)

Adotando a perspectiva de uma história cultural de acordo com a pesquisa bibliográfica, ao invés dos lugares-comuns dos textos historiográficos sobre orientalismo, como as gestas de reis, batalhas e dinastias, descortina-se um mundo árabe muito diverso das representações ocidentais sobre o Islã. A continuidade destas mesmas tradições, (re)inventadas em diferentes momentos e diversos contextos históricos, evidenciam o dinamismo cultural das formas de transmição dos saberes ligados à cozinha do Levante, mesmo diante das revoluções dos tempos modernos e do surgimento dos nacionalismos no mundo oriental da atualidade.

Lei para abate

De acordo com o Islã, tudo que intoxica, que afeta o cerebro, ou traz danos ao corpo não é saudavel e, portanto, ilicito. Especialmente quanto a alimentos de origem animal, ou seja, alguns animais são proibidos e os permitidos, devem ter maneiras corretas de abate e preparo. Em relação a alimentos de origem vegetal, são saudaveis e não há restrição. No que diz respeito a distribuição dos alimentos, "o Islã considera o alimento uma dadiva de Deus, que deve ser usado com moderação e partilhada com os necessitados. As transgressões à Lei involuntárias ou impostas pelas circunstâncias são perdoadas. Todas essas regras estão bem de acordo com o meio no qual surgiu o Islã". (Rosenberguer: 1998)
A aplicação de tais práticas alimentares foi bastante difundida no periodo do imperio edificado pelos árabes,
"desde o Indo até o Ebro; o clima, a vegetação, a fauna e os estilos de vida estão muito próximos daqueles que serviram de berço ao islamismo. Em compensação, as tradições culturais das provincias bizantinas da Síria, do Egito, do império sassânida, do Magreb e da Espanha visigoda são muito diferentes. Em menos de dois séculos, aí se criou uma civilização de expressão árabe, imbuida dos preceitos do Corão".(idem, ib.)