quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Visões sobre Oriente




As postagens anteriores problematizaram as tradições culturais ligadas à Cozinha do Levante, a partir de uma perspectiva histórica de longa duração. A temática foi abordada a partir da visão de dois autores (ROSENBERGUER: 1998; SAID, 1990), cujas produções acadêmicas, cada uma à sua maneira, estão orientadas para o campo de estudos rotulado de orientalismo. As idéias trabalhadas por ambos voltaram-se para relações de identidade e alteridade em diferentes momentos da história cultural do Islã.
O Levante e outras regiões como a Índia, a China e o Japão são parte do(s) Oriente(s) imaginado(s) e colonizado(s) por europeus e americanos, que também produziram muitos estudos acadêmicos sobre essas experiências históricas. Poetas, romancistas, filósofos, teóricos políticos , economistas e administradores imperiais escreveram um amplo conjunto de textos sobre os povos, costumes, mentalidade e destino do Oriente a partir de diferentes perspectivas.

"Histórica e culturalmente, há uma diferença quantitativa e qualitativa, entre o envolvimento franco-britânico no Oriente e - até o período de ascendência americana após a Segunda Guerra - o envolvimento de todas as demais potências européias e atlânticas". (SAID: 1990,p15). Na visão de SAID, "o Oriente não é apenas uma região geográfica onde se localizam as maiores, mais ricas e antigas colônias da Europa, mas nele se encontra também a fonte das civilizações e linguas européias, seu concorrente cultural e imagens canônicas do Outro. O Oriente ajudou a definir a Europa (ou o Ocidente), como sua imagem, idéia, personalidade e experiência de contraste."

Essa distinção entre Oriente e Ocidente , assim como as representações criadas a partir desse par de opostos, é fundamental para as relações de identidade e alteridade entre os europeus e outros povos, desde a antiguidade clássica.

O dialogismo e a intertextualidade das imagens de si mesmo e de outrem, (re)criadas através das artes plásticas, do teatro, da música e da literatura podem nos enredar em uma "teia do racismo, dos esteriótipos culturais, do imperalismo politico e da ideologia desumanizante que contém o árabe ou o mulçumano."(SAID. 1990,p38)
"Tais representações negativas nos ensinam muito mais a respeito da imaginação européia e americana sobre seus outros, do que propriamente sobre como são esses outros na realidade"(MONTENEGRO: 2002).

(Dialogismo e intertextualidade são termos técnicos utilizados por M. Bakhtin (1992), esses termos sintetizam os diálogos que o autores e obras de uma época estabelecem entre si e/ou com autores e obras de outras épocas. Nestes textos, utilizo esses termos para me referir a uma "conversa" entre a literatura, o teatro, a pintura e o cinema, no que diz respeito às representações e imagens sobre o Oriente, baseando-me principalmente nas observações de SAID(1990) e MONTENEGRO (2002)).

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Gastronomia de tradições


Muitas dessas tradições culturais ligadas à gastronomia e surgidas em meio a conflitos religiosas e econômicos sobreviveram à diáspora da civilização islâmica, que se seguiu ao século XII, (re)desenhando configurações da rede de relações descrita na postagem anterior, que passou a incluir a Índia, o Paquistão, a Indonésia, a Andaluzia, a Sicília, a África do Norte e, com a expulsão dos mouros da Península Ibérica no século XVI, também a Ámerica em seu circuito de trocas culturais e intercâmbio de bens.

"A síntese se realizou nas cidades, novas ou antigas, dinamizadas por um intenso intercâmbio. O esfacelamento do Império não impediu a circulação de homens, dos bens e das idéias que caracterizam o mundo muçulmano do século VIII ao século XV".(Idem, ib)

Adotando a perspectiva de uma história cultural de acordo com a pesquisa bibliográfica, ao invés dos lugares-comuns dos textos historiográficos sobre orientalismo, como as gestas de reis, batalhas e dinastias, descortina-se um mundo árabe muito diverso das representações ocidentais sobre o Islã. A continuidade destas mesmas tradições, (re)inventadas em diferentes momentos e diversos contextos históricos, evidenciam o dinamismo cultural das formas de transmição dos saberes ligados à cozinha do Levante, mesmo diante das revoluções dos tempos modernos e do surgimento dos nacionalismos no mundo oriental da atualidade.

Lei para abate

De acordo com o Islã, tudo que intoxica, que afeta o cerebro, ou traz danos ao corpo não é saudavel e, portanto, ilicito. Especialmente quanto a alimentos de origem animal, ou seja, alguns animais são proibidos e os permitidos, devem ter maneiras corretas de abate e preparo. Em relação a alimentos de origem vegetal, são saudaveis e não há restrição. No que diz respeito a distribuição dos alimentos, "o Islã considera o alimento uma dadiva de Deus, que deve ser usado com moderação e partilhada com os necessitados. As transgressões à Lei involuntárias ou impostas pelas circunstâncias são perdoadas. Todas essas regras estão bem de acordo com o meio no qual surgiu o Islã". (Rosenberguer: 1998)
A aplicação de tais práticas alimentares foi bastante difundida no periodo do imperio edificado pelos árabes,
"desde o Indo até o Ebro; o clima, a vegetação, a fauna e os estilos de vida estão muito próximos daqueles que serviram de berço ao islamismo. Em compensação, as tradições culturais das provincias bizantinas da Síria, do Egito, do império sassânida, do Magreb e da Espanha visigoda são muito diferentes. Em menos de dois séculos, aí se criou uma civilização de expressão árabe, imbuida dos preceitos do Corão".(idem, ib.)

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

BAKLAVA





Doce de origem levantine, é um tipo folhado, delicado, crocante, suavemente dourado, banhado com uma calda de flôr de laranjeira e água de rosas, com vários formatos, tem a tradução literal "coma e agradeça", em referência a Deus.



quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Mais história....

Uma vasta região foi dominada por exércitos árabe-muçulmanos, movidos pelo espirito da Jihad (guerra santa), controlados por "Califas", que não reivindicavam autoridade espiritual, e que governavam um Império próspero, no qual um grande número de povos diferentes estavam unidos pelo islamismo. Povos que, além de conservar seus próprios costumes, agregavam a nova cultura e os novos hábitos alimentares que fziam parte das regras impostas e aceitas por eles.
"O Islã imprimiu sua marca tanto na alimentação quanto em todos os outros aspectos da vida. Os árabes enriquecidos pela conquista, ao mesmo tempo em que preservavam certos hábitos, adotaram um estilo de vida inspirado no dos aristocratas vencidos".(ROSENBERGER:1998,p 338).
A forte influência da religião, através da convicção que os muçulmanos demonstravam em suas práticas cotidianas, fascinava até seus inimigos, que acabavam aderindo aos costumes e gostos da civilização islâmica:
"os cristãos, fascinados pela riqueza de seus inimigos, adotaram muitos de seus costumes. Mais do que as cruzadas, foi a reconquista da Espanha e da Sicilia que introduziu nos hábitos alimentares dos países mediterrâneos, e posteriormente nos da Europa Ocidental, alimentos e gostos do mundo muçulmano clássico".(Idem, ib)

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Bilad al sham - A cozinha do Levante


Conforme veremos ao longo dessa pesquisa, muitos pratos da Cuisine Levantine, difundiram-se na Europa e no Brasil. À modados historiadores, vamos começar nossa contextualização histórica pela etmologia da expressão que inspirou este blog.
Cozinha = Cuisine, é a tradução francesa de cozinha, do latim coquina, de coquere. Na língua portuguesa, segundo o dicionário Larousse Cultural (Nova Cultural: 1992), a cozinha pode significar:
1. Lugar onde se preparam os alimentos; 2. Arte de preparar os alimentos; 3. O trabalho de uma casa para a preparação da cozinha.
Levantine é a tradução francesa do termo em latim Levante, que se refere à parte oriental de um dado território; também pode significar Este e Nascente.
A etmologia deste vocábulo revela que ele veio a se estabelecer devido ao dito ponto cardeal ser o lugar no horizonte onde nasce ou se levanta o sol.
"A palavra levante origina-se do francês médio levant, particípio presente do verbo lever, levantar - como em soleil levant, "sol nascente" - através de um étimo latino do verbo levare, " levantar", "erguer" (levans). Referia-se portanto à direção do sol nascente, vista da perspectiva dos povos que habitavam as terras da costa leste do mar Mediterrâneo. O Levante localiza-se na região que corresponde ao território ocupado pelo conjunto dos países do Mediterrâneo Oriental atualmente, isto é, ó norte da África, o sul da Turquia, a Síria, Libano, Jordânia, Palestina e norte do Iraque"
As definições supracitadas já anunciam que o estudo das idéias, culturas e histórias sobre a Levantine Cuisine envolve também as relações de poder, dominação e hegemonia politica entre Ocidente e Oriente.
Sabe-se que durante a Antiguidade e Idade Média, antes da queda do Império otomano, a região que hoje é ocupada pela Turquia, Síria, Libano, Jordânia, Palestina e norte do Iraque eram interligadas e compartilhavam muitas tradições cuturais, como a gastronomia, a música e a religiosidade.
"BILAD AL SHAM é uma expressão nativa do Levante, ou seja , expressão utilizada pelos levantinos e que se refere a Síria, Libano , Jordânia e a Palestina como partes de um todo interligado pelas trocas comerciais e culturais em tempos passados".
As conquistas dos árabes no período que antecedeu a formação do Islã no século VII d.C. , resultaram de um grande intercâmbio com os persas, os gregos, os fenícios, os romanos e outros povos, tramado através de uma rede de relações pela qual circulavam grãos e outros cultivares, especiarias, tecidos , pedras preciosas , petróleo, fármacos, escrita, tecnologia aplicada à navegação e à astronomia, matemática e outros conhecimentos científicos e, é claro mulheres e receitas culinárias. "O período entre os séculos VIII e IX é um dos pontos alros da história cultural da Arábia, comparável em termos do florecimento das artes e ciências a Renascença Italiana"(SAID:1990, p.306)


quarta-feira, 28 de julho de 2010

Sumac


Sumagre, planta encontrada nas montanhas do Libano, cachos de flores vermelhas que debulhadas, são transformadas em uma especiaria de sabor ácido, forte , exótico, conhecida como Sumac e que dá um toque especial às preparações culinárias, inclusive saladas.

Pão Folha


Me impressionou a maestria de uma senhora com a massa do pão e seu balé de mãos. Todos os sábados, ainda de madrugada, iniciava sua árdua dança de manejar uma bola de farinha e transformá-la em um enorme pão folha , que era degustado durante a semana pela familia e quem mais viesse para desfrutar tal benção. O pão que era consumido com diversos tipos de acepipes, queijo de leite de cabra, azeitonas, tomate, coalhada seca e a famosa especiaria chamada zaátar.

Colheita de Azeitonas




A colheta de azeitonas, da qual participei, foi uma experiência marcante: quanta imponência aquela plantação de oliveiras carregadas com um fruto tão pequeno, saboroso e versátil. Essas árvores figuram nas paisagens, na poesia e na prosa, na música e em diversas tradições religiosas. O azeite é muito importante e é utilizado para cozinhar, temperar, curar, se embelezar, iluminar , limpar... Cultivar oliveiras é considerado como uma dádiva pelos povos que habitam o Oriente Médio, assim como trabalhar na colheita é uma maneira de se obter bençãos para si e para os familiares. Diversos tipos de azeitonas são cultivadas nas plantações e cada uma tem uma função específica, mas todas as oliveiras são herança preciosa, transmitida de geração em geração. A oliveira é simbolo de prosperidade para as famílias libanesas com quem convivi durante a viagem.






quarta-feira, 7 de julho de 2010

continuação...Relatos de Viagem



Algo que aconchegava e fazia-me sentir parte daquele povo, daquela língua, e até daquela cultura era na hora das refeições. Por vezes, eu me intimidava da forma de fazer uma colher com o pão e molhar no caldo para ser levado à boca, a maneira espontânea de agradar os hóspedes, oferecendo alimentos, é uma constante. Partilhava da preparação dos alimentos, conhecia novas receitas e novos métodos de cocção, aprendia e envolvia-me com o paladar.

Relatos de Viagem






Minhas experiências e memórias sobre a cozinha do Levante são recortadas por relações de gênero. Estas questões tornam-se evidentes no meu aprendizado aqui no Brasil e também através da convivência cotidiana com habitantes de algumas cidades da região levantine, especialmente do Libano. Pude observar mães e filhas cozinhando juntas, amigas, parentes, sogra e nora e o respeito mútuo que reinava entre elas era admirável. As tradições e costumes na maneira de preparar, conservar e estocar os alimentos eram coordenados pelas mulheres mais velhas. Homens e mulheres também dividem tarefas na cozinha, seja preparando alimentos, seja compartilhando suas refeições.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Relatos de Viagem

Muitas lembranças que tenho sobre a convivência familiar estão relacionadas com a preparação de alimentos, sua partilha durante as refeições e as receitas passadas entre mulheres de diferentes gerações. Assim, aprendi a preparar alguns pratos que integram o cardápio da "bilad al sham ou levantine cuisine", convivendo com minha mãe, minhas tias e avós, no interior de São Paulo e em Mato Grosso do Sul, quando era adolescente. Outras receitas, foram passadas através do convivio com meu marido, nesta cidade, e também através de visitas à sua família em várias cidades do Libano.

A cidade na qual fiquei hospedada estava a 900 metros acima do nível do mar, em meio às montanhas, em vales de parreiras e oliveiras onde o aroma e o sabor pareciam ser mais apurados; podia desfrutar de frutas colhidas do pomar como caqui, maçã, toranja, laranjas, cidras, figos, e uvas de diversos tipos. Na maioria das casas, existia uma horta com hortelã, salsa, manjericão, pimentões e também uma bela parreira com enormes cachos de uvas rosadas e graúdas, ou de uvas passas, nozes, amêndoas, damascos que eram oferecidos em cestas.

Bilad al sham: um elo de tradições, sabores e aromas (Introdução)

Com a hipótese desenvolvida a partir de uma pesquisa bibliografica inicial, de que existe um elo entre as regiões conquistadas pelo Império Otomano, criado pelas tradições culturais , sabores e aromas da gastronomia do "Levante". Essa hípótese inicial, desdobra-se em outra, baseada em minhas experiências profissionais, como Chef e blogueira: Que a herança gastronômica da Bilad al sham (Cozinha do Levante), caracterizada pela sobriedade e simplicidade de costumes ligados ao mundo islâmico, difundiu-se de várias formas para além do mundo árabe e influenciou a gastronomia de muitos povos ocidentais, especialmente os brasileiros, até os dias de hoje.

domingo, 4 de julho de 2010

Bilad al sham: Um elo de tradições, sabores e aromas

"Portugal, sob domínio mulçumano, era um colorido mosaico
de mercadores, artesãos e antigos camponeses,
de raizes étnicas muito variadas.
Todos falando árabe.
O moinho dágua, o algodão, o bicho da seda,
a laranjeira, a cana-de-açucar,
o azulejo, a telha mourisca, o muxarabi, a varanda,
o gosto pelo açucar, a doçaria,
o gosto pelo asseio, a água, claridade, o pandeiro...
O mouro viajou para o Brasil pela memória do colonizador
e ficou: até hoje, sentimos sua presença."

(Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro)

BILAD AL SHAM: Um elo de tradições, sabores e aromas.(Resumo)


A idéia central do meu ensaio, é apresentar aos leitores uma perspectiva histórica de longa duração sobre as tradições culturais, sabores e aromas ligados a Cozinha do Levante ( Bilad al sham)- ou Levantine Cuisine, nome como se tornou conhecida na europa desde sua gênese no Império Otomano, até os tempos pós-modernos.
Essa culinária surgida no período clássico da civilização islâmica na região do Oriente Médio definida com "Levantine", foi muito influênciada pelos aspectos religiosos e políticos do mundo Árabe.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

TABBULE

















Esta salada, tão tradicional na culinária árabe é oferecida de forma decorativa no restaurante "Sofar", na famosa rua Hamra em Beirute e ocupa o lugar principal da mesa. Existe um unico "Tabule" no mundo: o "Tabule" libanês.
O que os Ocidentais, e notadamente os franceses, chamam de "Tabule" é apenas uma salada de cuscuz e de legumes frescos conhecida na Tunísia como "Tabule". Esse nome foi propagado na França e em seguida para toda a Europa.










O "Tabule" constitui o prato principal do mezzé libanês.



Apesar das influências bizantinas e otomanas na cozinha libanesa, o "Tabule" permanece um prato puro libanês que reflete exatamente a cozinha tradicional libanesa, baseada nos legumes frescos, no "burghol" (trigo moido) e no azeite de oliva. Este prato além de nutritivo, leve é muito saboroso e pode ser variado.
Aqui em São Paulo, podemos saborea-lo no Khadije Cozinha Árabe, uma pequena casa libanesa, localizada a rua Diana, 946 no bairro de Perdizes onde sou chef.

terça-feira, 23 de março de 2010


O Império Otomano, foi uma das maiores potências mundiais na idade moderna. No seu apogeu, estendia-se do oceano Indico até Argel, Hungria e Criméia.( Atlas da História do Mundo, pág.230)


Por isso se diz que os árabes edificaram desde o Indo até o Ebro. Os preceitos do Alcorão, muito influênciou nos hábitos, costumes e no estilo de vida daqueles que dinamizaram um intenso intercâmbio com todas as cidades ou provincias novas ou antigas.


O declinio do Império Otomano não impediu que o dia a dia dos habitantes daquelas regiões mudassem. E a influência islamica nos hábitos e costumes continuou a ter uma unidade incomum. Até na espanha e Sicília ficaram arraigados os hábitos alimentares dos países do Levante.